Por trás do Board: Pan Am (Será que decola?)

Fala Povo! Eu sou o Rafa Carvalho trazendo mais um texto da série “Por trás do Board”, explorando como a temática de um jogo é amarrada em suas mecânicas, e, ao fim da análise, vamos atribuir uma nota para essa amarração em uma escala que vai de 1 a 5, onde 1 é aquele jogo com a temática bem mal amarrada (“colada com cuspe”), e 5 um jogo altamente imersivo em que você entra de cabeça naquele mundinho.

Mas antes de irmos para a análise de hoje, deixo aqui uma tabela com o link dos textos anteriores, e o ranking da pontuação até aqui.

JOGOS	NOTA
Brass Lancashire	4,30
O Inconsciente	4,00
London: Segunda Edição	3,00
Tzolk’in: O calendário Maia	2,83
Trajan	2,38

E o jogo da vez é o Pan Am, um jogo econômico delicinha que infelizmente não foi lançado aqui no Brasil, mas que vez ou outra você encontra perdido na Amazon. Publicado pela Funko Games, Pan Am é assinado por Peter Lee (autor de Lords of Waterdeep) e pela Prospero Hall, um estúdio de design colaborativo de jogos situado em Seattle.

Pan Am é um jogo ambientado no contexto histórico da companhia aérea Pan American World Airways, sendo disputado em sete rodadas que abrangem o início da era Pan Am em 1927, ainda como uma transportadora de correio aéreo, e indo até 1968 com a aposentadoria de Juan Trippe.

Juan Trippe foi um importante executivo na indústria da aviação e o fundador da Pan Am, uma das companhias aéreas mais icônicas de todos os tempos.

Nascido em 27 de junho de 1899, em Sea Gate, Nova York, Trippe estudou na Universidade de Harvard e se formou em 1921. Ele fundou a Pan Am em 1927, inicialmente como uma linha aérea de transporte de correio entre Key West, na Flórida, e Havana, em Cuba.

Tripe visava tornar as viagens aéreas acessíveis ao público em geral, ajudando a popularizar o turismo aéreo durante a “era de ouro” da aviação. Sua visão e liderança foram cruciais para o desenvolvimento da aviação comercial, incluindo a introdução de voos transatlânticos e transpacíficos, e a aquisição dos primeiros jatos de passageiros e do Boeing 747.

O período explorado no jogo reflete essa chamada era de ouro, quando as viagens aéreas estavam se tornando populares e a Pan Am era uma das líderes nesse setor.

Em Pan Am você é o líder de uma entre quatro pequenas companhias aéreas, e conforme a Pan Am se espalha pelo mundo, você precisa administrar suas rotas para gerar renda, ou vender o direito dessas rotas para essa gigante da aviação, sempre com um objetivo principal, comprar ações da própria Pan Am, pois vence a partida aquele que ao fim tiver mais dessas ações.

Aqui já vai mais uma informação interessante. As companhias aéreas assumidas pelos jogadores em Pan Am são todas fictícias, no entanto, aprofundando a pesquisa nome por nome identifiquei três companhias reais que o jogo parece homenagear, sendo que todas já fecharam suas portas, o que reforça a teoria.

As companhias do jogo são Aero-Cosmopolitan, Grand Olympian Air, Trans-imperial Airways e Premier Inter-Global, e supostamente podem estar se referenciando nestas empresas:

– Cosmopolitan Airlines (Aero-Cosmopolitan), que era uma companhia aérea com sede no Aeroporto Republic em Farmingdale, Long Island, Nova York , que operava voos regionais e fretados . A companhia operou de 1978 a 1983, encerrando suas atividades em 1983;

– Olympic Airlines (Grand Olympian Air), anteriormente chamada Olympic Airways , que era uma companhia aérea Grega com sede em Atenas e operava voos para 37 destinos domésticos e 32 destinos em todo o mundo. Sua principal base era o Aeroporto Internacional de Atenas, “Eleftherios Venizelos”. O interessante é que a Olympic Airlines também possuía uma base no Aeroporto de Heathrow, em Londres.

 – Imperial Airways (Trans-imperial Airways), a primeira companhia aérea comercial do Reino Unido, que operou de 1924 a 1939. Essa empresa foi formada pela fusão de outras companhias aéreas e foi a antecessora da British Overseas Airways Corporation (BOAC). A BOAC, por sua vez, foi uma das empresas que deram origem à atual British Airways.

Por fim identifiquei ¾ de possíveis companhias aéreas que podem ter servido de referência para o jogo (será que foi só coincidência?), mas ficou faltando uma, então se você conhece alguma empresa que poderia ter servido de referência para a fictícia Premier Inter-Global deixa aí nos comentários sua contribuição para o conteúdo.

Voltando ao jogo, Pan Am possui regras simples e objetivas, ainda assim é muito estratégico, e como falado, acontece em 7 rodadas, cada uma dividida em quatro fases: 1) a fase de eventos (o maior charme histórico do jogo); 2) a fase dos engenheiros (alocação de trabalhadores); 3) a fase da resolução (ações conforme alocação); 4) fase da Pan Am.

 

1) Fase de eventos.

Então, começando pelos eventos, já temos aqui um show de temática amarrada às mecânicas!

No começo de cada rodada uma carta de evento é revelada, nos trazendo eventos históricos reais, e sua influência direta na indústria da aviação é muito bem aplicada nos efeitos causados no jogo.

Os eventos ainda incluem o grau de expansão da Pan Am ao fim da rodada (quantos dados de expansão serão rolados), e o ajuste do tão importante preço das ações, definindo se esse preço irá aumentar ou reduzir, o que também é uma representação dos altos e baixos da empresa.

Essas cartas acrescentam uma camada de realismo ao jogo, e permitem que os jogadores possam – a certo nível – emergir nos desafios enfrentados por esta indústria.

Os eventos abordam questões como: Crises econômicas (2ª Guerra Mundial/Grande Depressão); Mudanças regulatórias (fim de restrições para viagens internacionais); Grandes investimentos (Inauguração da nova sede da Pan Am em Nova Iorque, maior prédio comercial do mundo na época); e Inovações tecnológicas (como as oriundas de pesquisas para fins militares).

Por ser um ponto muito rico em termos de histórico e de temática, com um total de 28 cartas, selecionei mais alguns exemplos para trazer para vocês.

– Início de viagens intercontinentais.

– Instalação de postos avançados em ilhas permitindo viagens regulares pelo oceano pacífico.

– O início de reservas computadorizadas.

– A aposentadoria de Juan Trippe.

Destaque para o charme das imagens reais da época usadas das cartas, e para a rejogabilidade, já que são sempre sete eventos por partida, distribuídos dentro de uma linha temporal, o que permite uma grande variedade, já que para cada uma das sete etapas temos um set de cartas.

 

2,3) Fase dos Engenheiros e Resolução

Dos eventos vamos para as duas fases seguintes, a alocação dos engenheiros, e a resolução das ações, que em resumo vão te permitir escolher entre construir um aeroporto (está mais para uma torre de controle), comprar acesso a localidades, comprar aviões, reivindicar rotas, ou ganhar cartas de diretivas, que basicamente são ações e benefícios extras.

A resolução dos engenheiros ocorre sempre na ordem que aparece no tabuleiro, de A até D, e todas essas ações contribuem para aquela que considero a ação central, que é colocar seus aviõezinhos no mapa, ou seja, reivindicar rotas.

Com essa ação aumentamos nossa renda, e para ela precisamos cumprir duas condições. A primeira é ter acesso às duas localidades daquele trecho, sendo esse acesso feito pelas cartas de destino (que eu gosto de chamar de “direito de pouso”) ou pelos aeroportos. A segunda condição necessária é possuir em sua frota um avião com capacidade adequada à distância percorrida naquela rota, o que vai de 1 a 4, correspondendo aos quatro modelos de aeronave disponíveis para aquisição: Trimotor, Clipper, Cruiser e Jatos.

No início do jogo temos acesso apenas à dois modelos de avião, os Trimotores e os Clippers, e a medida que as rodadas avançam são liberados os Cruisers e os Jatos, representando o avanço nas tecnologias de voo, o que pode ser antecipado dependendo de algum evento sorteado para a partida.

Falando um pouco destes modelos, o Trimotor era um avião comum nas primeiras décadas da aviação, possuía três motores (jura?) e era capaz de transportar entre 10 a 20 passageiros, com uma autonomia geralmente limitadas a algumas centenas de milhas.

Já o Clipper, modelo que teve sua identidade muito ligada à Pan Am, era um hidroavião emblemático que podia acomodar até 70 passageiros e tinha uma maior autonomia, alcançando distâncias de até 3.000 milhas, incorporando tecnologia avançada para a época, como fuselagens de metal.

Os Cruisers eram aviões de transporte médio que podiam acomodar entre 30 a 100 passageiros, com uma autonomia variando de 1.500 a 2.500 milhas, destacando-se por suas inovações em conforto e eficiência.

Por fim, os Jatos, introduzidos na década de 1950, revolucionaram o transporte aéreo, com capacidade variada de 100 a 600 passageiros, autonomia que podia ultrapassar 6.000 milhas e tecnologia avançada em eficiência de combustível e conforto, permitindo viagens mais rápidas e seguras. Esses modelos refletem como a aviação evoluiu ao longo das décadas, tornando-se mais acessível e eficiente para o transporte de passageiros.

Sobre a colocação destes aviões nas rotas disponíveis, uma das estratégias muito comum em Pan Am é selecionar rotas mais próximas do atual ponto de expansão da Pan Am, facilitando com que essas rotas sejam adquiridas e assim gerando bastante renda (o que vai ser explorado no próximo tópico).

Um outro ponto bem bacana sobre as alocações, e que não poderia ficar de fora dessa análise, é sobre a mecânica de leilão que acontece em cada ação disponível, logo, realiza aquela ação quem quiser (e puder) pagar mais.

Essa mecânica cria uma interação extra entre os jogadores, principalmente pois a alocação já é bastante “cobertor curto”, tanto em número de trabalhadores quanto em opções disponíveis.

Por exemplo, se você precisa de um avião ou localidade específica na rodada para fazer sua estratégia, tenha em mente que cada um dos modelos possui apenas um espaço para alocação, e se você decidir disputar esse espaço com outro jogador precisará estar disposto a gastar mais, e lá na frente pode te faltar recursos para outros investimentos ou para comprar ações da Pan Am.

Dito tudo isso, na parte das alocações considero que os designers deram uma pequena escorregada quando chamaram os trabalhadores de “engenheiros”, e vou explicar o porquê.

Apesar do marcador do engenheiro ser bem bonitinho, com a base em forma de engrenagem, considero as ações disponíveis bem de alto nível para os negócios de sua empresa, o que inclui negociar direitos de pouso, ou comprar aviões, por isso eu teria chamado os trabalhadores de algo como “acionistas” ou “diretores”, acho que seria mais temático, mas esse é um detalhe que não atrapalha em nada na jogabilidade.

 

4) Pan Am

Chegamos na 4º e última fase, a fase da Pan Am, que é subdividida entre Expansão, Renda e Compra de Ações.

Nesta etapa, partindo de Miami, a Pan Am irá crescer adquirindo rotas pelo globo, fazendo isso através da rolagem de um dado que define o curso desta expansão para três trajetórias possíveis: Sul-Americana; Europeia; e Ásia-Pacífico.

O domínio da Pan Am sobre as rotas aéreas afeta inclusive aquelas sob o domínio dos jogadores, e não adianta reclamar, a Pan Am é forte demais e não existe a opção de negar essa venda, logo, se você não pode vencê-la junte-se a ela, e é por isso que ficamos torcendo para que a rolagem de dados aponte para onde você já possui controle, já que a venda é bem lucrativa, o que vai te permitir comprar mais ações ou financiar novos recursos como aviões e direitos de pouso.

Precisamos falar sobre a rolagem de dados para definir o curso da expansão. É fato que temos aqui um bom grau de aleatoriedade, o que pode incomodar alguns jogadores, uma vez que estamos falando de um jogo econômico no estilo “Euro”, mas para mim essa aleatoriedade é mecânica e tematicamente nota 10, já que representa a volatidade do mercado e a decisão da empresa sobre onde investir, o que de fato não é algo que os jogadores/companhias menores controlam, já que a Pan Am é uma entidade do jogo, quase como um jogador a parte.

Como já citado, se sua estratégia é vender suas rotas e não acumular income (renda) com elas, algo que se deve fazer é se posicionar estrategicamente próximo à disposição atual da Pan Am, e inevitavelmente ela vai te alcançar.

Por fim, o jogador irá receber também a renda pelas suas rotas que permanecem no mapa, e a rodada termina com a oportunidade de comprar de ações da Pan Am, que possuem custo variado conforme explicado na fase de eventos.

Considero essa fase como um todo muito temática, além de ser legal demais ver a empresa crescendo e devorando tudo ao redor, o que traz ainda mais sentido em você querer ser um acionista desta gigante que está tomando conta do mercado.

Com isso terminamos a análise das quatro fases, mas antes de ir para os finalmentes quero destacar só mais um ponto sobre a temática, que é o manual! Vou deixar abaixo algumas imagens para ilustrar como colocaram vários comentários e esclarecimento como se fossem comissários de bordo passando instruções, com uma arte que remete diretamente ao tema e ao período, bom demais!

 

Veredito

Então é isso!

A Pan Am teve um papel crucial na popularização das viagens aéreas internacionais, e ao jogar Pan Am, os participantes têm a oportunidade de mergulhar na história dessa icônica companhia aérea enquanto competem estrategicamente entre si.

A empresa enfrentou sérias dificuldades nas décadas de 1980 e 1990, resultando em uma das maiores e mais emblemáticas falência da história da aviação, em 1991. Mas esse período não está dentro do recorte temporal representado nesse jogão que é só alegria, apesar de eu perder quase todas para minha esposa.

E chegamos ao veredito com aquela tabelinha marota avaliando cada tópico, chegando à pontuação 3,8, e já assumindo a medalha de bronze entre os jogos avaliados até aqui.

A temática é de fato um elemento muito presente em Pan Am, se tiver oportunidade de jogar fica a dica.

E é isso povo, peço para deixarem o like e seu comentário, é sua forma de incentivar o canal e a série. Até a próxima!