Na década de 80, o ápice da diversão eletrônica era o fliperama.
Já existiam os videogames (eu tive um Atari 2600), mas o fato é que os videogames da época eram jogado sozinho ou com poucos amigos, enquanto o fliperama ficava em lugar público, aberto a todos. Isso acirrava a competição.
Normalmente, a máquina mantinha um ranking dos melhores placares obtidos. Terminar uma partida e conseguir colocar seu nome na lista era uma pequena glória lúdica (que fatalmente seria esquecida assim que a máquina fosse desligada). Os designers de fliperama perceberam que isso engajava os jogadores a comprar mais fichas e, logo o ranking se tornou um padrão da indústria.
Nas máquinas mais populares, havia disputa para manter suas iniciais no topo do ranking. Em alguns lugares haviam pessoas que jogavam todo dia para manter seus nomes no alto dos placares (pois naquele tempo onde as máquinas não tinham memória persistente, os ranking zeravam a cada dia).
Essa mania de rankings se alastrou para o videogame. Nas revistas, vinham páginas com os melhores placares de cada jogo. Com o advento da Internet e dos jogos em rede, os rankings dos videogames aos poucos se tornaram persistentes (isso é, não eles não se perdem no fim do dia quando a máquina desliga) e globalizados (a maioria dos jogos tem um ranking único que engloba todas as unidades vendidas do jogo). Agora, quando você termina uma partida, você pode saber realmente o quão bom (ou ruim) você é em relação ao mundo.
Paradoxalmente, isso acabou com a graça dos rankings (pelo menos, na minha opinião). Você faz a melhor partida da sua vida e no final descobre que seu placar é o 300.000 melhor… daquele mês. Não é muito legal ter a sua mediocridade esfregada na sua cara e saber que você não tem a menor chance de competir por um lugar honroso naquela lista (a menos, claro, que você dedique sei lá, horas e horas àquele jogo).
Não deve ter sido a toa que o design dos jogos eletrônicos acabou saindo da necessidade de ter um placar e scoreboards. Os jogos hoje são normalmente narrativos e focados objetivos. Existem detalhes para atiçar a sanha completista dos jogadores hardcore (e tome bandeirinha para você procurar no mapa), mas você pode seguir a história sem medo de ser comparado com os outros. Quando muito, existem alguns níveis de proficiência (estrelinhas dadas no final de uma fase).
Nos raros jogos estilo arcade que ainda possuem placares, os scoreboards normalmente possuem filtros para os placares daquele dia, do ultimo mês e ano e a possibilidade de você ter um ranking só com os seus amigos. As pessoas gostam de competir, mas dentro de limites onde elas se sintam capazes de evoluir.
Todo esse prólogo foi para introduzir a minha análise de Dorfromantik, jogo anunciado no Brasil pela Across the Board que enfileirou uma saraivada de prêmios, sendo o principal deles o Spiel des Jahres. Nesse jogo, você e seus amigos estarão, como em um videogame antigo, lutando pelo topo do ranking. Será que vocês conseguem?
Quebra-cabeça cooperativo
Adaptado de um videogame de mesmo nome, o jogo se apresenta quase como um Sandbox Casual, com pouquíssimas regras.
O jogo funciona basicamente como um quebra-cabeças, onde a cada turno o jogador da vez compra uma peça e coloca na mesa, ligando as demais peças já colocadas, montando uma paisagem. As únicas regras de colocação é que tem que ligar a uma peça já colocada e que os caminhos e as estradas de ferro precisam ser respeitadas. De resto, vale tudo.
O jogo possui duas pilhas de peças: as peças normais e as peças de missão. Sempre que há menos de 3 peças de missão incompletas no jogo, deve-se comprar uma peça de missão, senão, deve-se comprar uma peça normal. O jogo acaba quando acabam-se as peças normais.
As missões invariavelmente dizem respeito a um tamanho de um tipo de território que deve ser completado com tiles contíguos. O jogo também dá pontos por determinados territórios que tenham uma bandeirinha, contando que eles fiquem claramente cercados sem tiles faltando e pelos maiores caminhos e estradas de ferro criados. E esse é o seu placar.
Mas, não acabou: feito isso, você pega o seu resultado e confere em uma tabela, que te dá uma posição em um ranking e uma quantidade “pontos de campanha” para você completar um mapinha. A medida que se anda nesse mapa, ganha-se o direito de abrir as mini expansões que vem no jogo e habilitar certas cartas e tiles especiais. Essas peças aumentam a complexidade do jogo e a possibilidade de pontuação. O objetivo é completar tudo e alcançar o nível mais alto do placar (que é o nível de “Imperatriz”).
Minhas impressões
Preciso confessar que não joguei o jogo de tabuleiro em si e sim a sua versão digital no Steam. Vi alguns vídeos de gameplay para ver as diferenças do jogo e acredito que foi o suficiente para comentar o que achei.
O jogo te engana. A princípio, ele parece muito casual. Você pode fazer o que quiser. Se você não estiver preocupado com o placar, ele pode ser visto como um mero passatempo. Você coloca as peças a seu bel prazer. Mas, se você quiser realmente pontuar cada vez melhor, vai sofrer na decisão sobre onde colocar cada tile e em que posição exata.
No videogame, o jogo possui um leaderboard que tem os problemas que já citei na introdução. A não ser que você seja extremamente competitivo e tenha muito tempo para dedicar ao jogo, rapidamente você aprende a ignorá-lo.
O board game não tem isso, apenas os níveis predeterminados que podem ser vistos como propostas de desafio.
Embora ele seja vendido como um jogo cooperativo, na verdade ele deve ser visto como um jogo solo. Não existem limites de comunicação ou de informação. O jogador ativo é basicamente uma formalidade, pois na maioria das vezes os jogadores vão discutir o que fazer e o jogo pode se tornar o paraíso dos Alphas.
Ainda não fiz uma tentativa, mas acredito que este venha a ser um bom jogo para jogar com minha esposa. Não estaremos competindo e a sua natureza não agressiva (o jogo não fica te colocando em modo de urgência, como acontece na maioria dos cooperativos) acredito que ele possa ser uma bom passatempo a dois. Você nunca vai “perder” uma partida de Dorfromantik. Apenas talvez não alcance o objetivo desejado.
Por fim, acho que vale destacar algumas diferenças entre o jogo de tabuleiro e o videogame: neste existe um pouco mais de variedade nas missões (os objetivos vão ficando mais exigentes, via de regra) e você recebe tiles novos para usar durante a partida (pelo que li das regras, isso não acontece no board game, mas posso estar enganado em relação a isso). Há também diferentes modos de jogo.
Conclusões
Se Carcassonne foi genial com sua ideia de revolucionar o quebra-cabeças, criando a partir dele um jogo extremamente competitivo, Dorfromantik agora segue o mesmo caminho, criando um quebra cabeças moderno, onde o final não é uma paisagem pré-definida, mas que premia o jogador por atender aos padrões sugeridos e oferece novidades que possam mantê-lo interessado na próxima partida.
É bem fácil entender porque o comitê do Spiel des Jahres adorou o jogo: ele apresenta elegância e uma profundidade que não aparece a primeira vista. Pode ser jogado por crianças e por jogadores experientes e ainda assim vai entregar algum nível de diversão. Além disso, ele adapta para o board game de maneira bem inteligente os mecanismos de recompensar os jogadores que são utilizados nos jogos eletrônicos casuais modernos (isto é, os jogos de celular).
Eu não achei o jogo maravilhoso, mas agradável o suficiente para passar o tempo quando não estou afim de pensar muito. Não sei se irei comprar o jogo físico, pois acredito que o virtual já atenda a minha necessidade, mas vejo boas qualidades nele como jogo solo: é fácil de jogar com pouquíssimo trabalho de manutenção do jogo. É jogar, contar os pontos e andar no mapa da campanha. Como não há limites de partidas, um dia você acabará vencendo.
Mas talvez nunca chegue no nível da Imperatriz!
Nota 7/10.
Só de abrir o texto com fliperama, já bateu uma nostalgia muito boa. Adora jogar Mortal Kombat e jogos de tiro. Mas nada supera o Streets of Rage. Zerei todos no arcade :). Tb tive Atari e variis vídeo games, e até hj eu tenho.
Sobre o jogo Dorfromantik, nunca joguei, mas já estou em busca, pois é um jogo q se encaixa perfeitamente para mim e minha casa. Leve, para jogar de dois ou solo, divertido e não tao fácil quando se coloca objetivo. Obg pela dica.
Valeu pelo comentário, Fred! Quando jogar nos conta o que achou!
Sds,
Eduardo