Hoje, a data que escrevo este texto, é 06/06/2024. O Diversão Offline 2024 aconteceu no último final de semana e, sem dúvida, foi um evento de muito destaque para os jogos feitos por brasileiros. Todas as maiores editoras possuíam lançamentos de autores nacionais e isso não é pouca coisa. Isso é o reflexo de um mercado cada vez mais maduro e de estúdios e autores cada dia mais capazes de entregar produtos no padrão da indústria moderna dos jogos de tabuleiro.
Mas, apesar de reconhecer isso e até me empolgar com o assunto, não é exatamente disso que vim falar. Hoje eu vim dar os meus dois centavos e o meu pitaco sobre de onde eu acho que sairá o próximo jogo brasileiro indicado a uma das categorias do maior prêmio de jogos de tabuleiro do mundo, o Spiel des Jahres.
O Spiel des Jahres é um prêmio alemão anual – Spiel des Jahres significa “Jogo do Ano”, em alemão. É reconhecidamente o maior prêmio de jogos de tabuleiro do mundo e possui um grupo de jurados que premia o melhor jogo lançado no último ano na Alemanha em 3 categorias: Jogo Infantil, Jogo do Ano, Jogo Expert. Por duas vezes jogos brasileiros estiveram em destaque no prêmio.
Sergio Halaban, o mais histórico game designer brasileiro, figurou com seu jogo “Hart an der Grenze” entre os recomendados ao prêmio, em 2005. Hart an der Grenze seria posteriormente reimplementado algumas vezes e, hoje, está no mercado como Sheriff of Nottingham.

Já no prêmio de 2020, Jordy Adan foi ainda mais longe, conseguindo o feito, até então inédito, de ter um jogo brasileiro entre os Indicados à uma das categorias da premiação. Cartógrafos foi finalista da categoria Jogo Expert do ano, junto de “The Crew: The Quest for Planet Nine” e “King’s Dilema”. Depois do Cartógrafos, ainda nenhum jogo brasileiro repetiu tal feito.

O que eu quero aqui registrar são os meus palpites: de onde sairá o próximo jogo brasileiro a alcançar a lista de recomendados ou até mesmo estar entre os indicados em uma das categorias?

Bom, antes de mais nada, vou me apresentar. Meu nome é Renato Simões. Desde 2015 trabalho com jogos de tabuleiro. Sou autor, editor e grande entusiasta dos jogos. Trabalhei com diversos autores brasileiros, seja desenvolvendo jogos seus, seja como parceiro no design de algum jogo, ou até mesmo como editor. Os dois designers supracitados, Sergio Halaban e Jordy Adan, estão entre os autores com quem eu já trabalhei, em ambos os casos, trabalhei como editor. Além disso, Jordy é, hoje, meu maior parceiro de game design.
Feita essa introdução, eu gostaria de ir muito direto ao ponto. Para mim, o próximo brasileiro a ter um jogo indicado ou recomendado ao Spiel des Jahres será um dentre três nomes: André Teruya, Jordy Adan e José Mendes. Curiosamente, já trabalhei com os 3 e, provavelmente, este é o motivo de apostar em um deles para o feito.
Vou começar explicando o porquê minha aposta é em um desses 3.
Em primeiro lugar, o Spiel tem sido cada vez mais voltado para jogos simples. Mesmo os jogos expert, não são jogos tão complexos, cheios de regras e narrativas assim. Challengers! (Galápagos Jogos), Living Forest (Meeple BR), Paleo (Devir), The Crew (Devir) e Wingspan (Grok) são os vencedores do prêmio expert nos últimos 5 anos. Desses, o jogo de maior peso, de acordo com os usuários do Board Game Geek, é Paleo, com 2,63/5.
Além dessa preferência por jogos nem tão complexos assim, o Spiel, em todas suas categorias, tem se voltado muito para a INOVAÇÃO. O prêmio tem dado a entender, cada vez mais, que inovar é necessário para brigar no topo. Todos esses jogos têm elementos inovadores ou são mesmo completamente disruptivos.
Outra preocupação do prêmio é premiar jogos que perduram no tempo. Eles têm buscado achar jogos mais compatíveis com o que o mercado aceita mais e consome infinitamente mais.
Considerando esses fatores e pensando muito sobre as qualidades destes 3 designers, eu aposto neles por conta de suas características. Vou explicar os pontos que me fazem admirar as capacidades de todos eles como autores. Eu também queria que este texto servisse como uma forma de demonstrar minha admiração pelo trabalho de cada um deles.
O primeiro deles que vou descrever é o que eu menos trabalhei junto e o que eu conheci primeiro: Zé Mendes (Futboard, Brazil: Imperial e World Wonders).

O Zé é um fenômeno. Nosso Jamey Stegmaier brasileiro. Conheci essa figura em 2016, durante um evento que contava com a demonstração de jogos de autores de todo país, na Game of Boards, no Rio de Janeiro. Zé estava lá com seu jogo: MUNDUS IMPERIAL.
MUNDUS IMPERIAL viria a ser lançado em 2021, com enorme sucesso, como Brazil: Imperial. 5 anos depois do evento da GoB, o jogo finalmente foi publicado e chegou às prateleiras de diversos países do mundo. E aí está a primeira qualidade do Zé para que eu acredite nele: resiliência.
Por 3 ou 4 anos, antes da Meeple BR apostar no Brazil, ele teve diversas portas fechadas e nunca desistiu do seu projeto, seja por amor, seja por acreditar no produto que tinha nas mãos. E no final das contas ele estava correto.
O Zé é, portanto, resiliente.
Além disso, em diversas conversas que tive com ele através dos anos, eu aprendi uma coisa que ele dá aula: quem quer, faz. Quem acredita, corre atrás. Sem editora, com editora, não importa: ele sempre fez de tudo para que seu jogo não só fosse publicado como também fosse um sucesso. Seja falar diretamente com a fábrica para desafogar a editora, seja participar de lives, de grupos do Whatsapp e muitas outras coisas, o Zé sempre se fez presente e se mostrou peça-chave para que seu jogo saísse da ideia e fosse de fato para o mercado, mesmo muito depois da etapa do Game Design.

O Zé é o nosso melhor criador e gestor de comunidade dentro da indústria dos jogos de tabuleiro no Brasil. O que ele faz com seus jogos é algo impressionante.
Essa capacidade de criar e gerir comunidades também torna seus lançamentos mais impactantes, seus jogos mais bem recebidos e seus clientes mais envolvidos com a empresa e o jogo.
E como se todas essas características não fossem suficientes, a capacidade dele de fazer um bom produto é de tirar o chapéu. Todos os seus jogos possuem arte de primeira, um acabamento de qualidade e peças incríveis (não é mesmo, World Wonders?). Por esses motivos, creio que ele está em um bom caminho.
A cada jogo novo, ele também se mostra mais atualizado e com tendências mais modernas ainda. Só melhora e fica mais próximo de ser um candidato ao prêmio mais cobiçado do mundo.
Saindo do Distrito Federal e chegando a São Paulo, um outro autor brasileiro reúne diferentes habilidades e características que também me fazem crer que pode ser dele o próximo jogo brasileiro indicado ao Spiel.
André Teruya é o nome de um dos mais criativos game designers que eu já conheci. Por duas vezes eu trabalhei com ele. Uma delas, bem breve, foi com o jogo Mixtapes. Teruya e Mac, os autores do jogo, me mostraram seu jogo sobre colecionar fitas cassetes e eu gostei demais da temática e também das mecânicas.

Como todo e qualquer jogo, eu achei que Mixtapes precisava de ajustes finais para se tornar levemente mais dinâmico. Disse isso para os autores, que prontamente concordaram e quiseram que trabalhássemos nesses pontos. No entanto, por falta de tempo, devolvemos o jogo aos autores, que acabaram trabalhando nele mais um pouco e lançaram com a Estrela, na linha de jogos Premium da editora.
Eu também trabalhei com o Teruya no que acabou sendo o seu primeiro jogo publicado: Corrida de Canetas.
Durante a pandemia, recluso em casa, André e sua filha Alice testavam inúmeras vezes uma adaptação criada por ele da clássica brincadeira com canetas da sua infância e adolescência. Foi na pandemia que ele me mostrou a ideia do jogo e era bem simples: uma corrida com canetas por uma pista desenhada. Quem fizesse o menor tempo vencia.

Apenas por mensagens e áudios no WhatsApp, eu ia passando feedback dos testes e sugerindo certas implementações. De lá, André e Alice acertavam as pontas do jogo até sua versão final.
Apesar de não ter tido muito espaço, Corrida de Canetas é um jogo do qual me orgulho muito. Divertido, criativo e capaz de entreter adultos e crianças. Mas não é só por causa dele que eu acredito na capacidade do Teruya de ser o próximo Spiel brasileiro.
A capacidade de pensar fora da caixa que ele tem é incrível! Eu nunca tinha visto tantas ideias diferentes vindas de uma mesma pessoa. Todas ideias criativas, muitas sem precedentes e completamente diferentes.
Este ano, no DOFF, André tinha o seu Flip it – Dança dos Tronos, uma ideia simples, mas que ninguém mais teve, de usar flipbooks como jogo. Além dele, no estande da Conclave, Van Gogh estava sendo lançado. Van Gogh, também conhecido como “O jogo do Teruya de rolar meeples” é o resultado de mais uma das suas ideias fora da caixa.
Por último, na onda dos carteados, o coletivo Fiat Ludens (André Teruya, Igor Knop, Robert Coelho e Sergio Halaban) lançou o Sambiki Saru, jogo de vazas que não usa cartas, mas sim meeples de diferentes cores que, antes de mais nada, são rolados para determinar seus valores.
Com todas essas ideias fora da caixa e um perfil explorador, Teruya é, para mim, o mais próximo que temos do “cientista maluco” dentro da nossa indústria. Da cabeça dele você sempre pode esperar coisas boas e inovadoras. Para mim, esse traço por si só traz a possibilidade do Spiel.
Como se não bastasse, cada vez mais próximo de outros grandes autores, mais dentro da indústria dos jogos, me parece que Teruya está se tornando, além de incrivelmente criativo, mais maduro no seu entendimento sobre produto e mercado, o que pode vir bem a calhar se ele conseguir unir isso à sua extrema criatividade. Desde 2016, Teruya é tido e havido como o mais criativo dos game designers brasileiros e, cada vez mais, ele tenta se aproximar da alcunha recebida.
Já um pouco mais pro sul do Brasil, o meu terceiro palpite é também um palpite de repetir o feito. Jordy Adan, finalista do Kennerspiel com Cartógrafos.

Desses 3 que listei, o Jordy é, com certeza, o game designer com quem eu mais trabalhei. Trabalhei com ele em diversos jogos, dentre eles Fibonachos, em que eu fui editor, Ozob – A Cyberpunk Board Game e 1000?. Os dois últimos compartilhamos o design.
Eu já falei para muitas pessoas o que vou repetir aqui sobre o Jordy: ele é diferente. Sim, muito diferente. Jordy é o game designer brasileiro que, para mim, une as três mais importantes qualidades de um grande game designer: sua inventividade, a capacidade de entender o mercado e o foco no jogador.
Em todos os jogos dele, o foco é no jogador e na sua experiência com o jogo. Uma característica dele, quando alguém pergunta alguma regra ou desempate, é responder assim: “Feels goodera, feels goodera!”. Isso não responde muito, mas para quem já está acostumado ao dialeto é: “sem sofrimento, resolução divertida”.
Esse pensamento, por mais simples que pareça, é o que dirige um jogo para uma experiência mais divertida e satisfatória para o jogador. É um pensamento bastante moderno e alinhado com o que de mais legal temos no mundo.
A capacidade de ler o mercado é algo admirável também. Cartógrafos surgiu da leitura dele de que jogos Roll & Write iriam ganhar espaço. O que pouca gente sabe é que, além do Cartógrafos, ele também criou outros, incluindo um que foi base para o Patchwork Doodle, do grande Uwe Rosenberg. Duvida? Olha aí embaixo a atribuição no manual do jogo.
Além disso, outra capacidade admirável no Jordy é a de transportar mecânicas divertidas e viciantes dos vídeo games para os tabuleiros. Essa, talvez, não seja a mais fácil de perceber e provavelmente é necessário estar muito próximo a ele para ver isso.
Por conta de todas essas características, os jogos do Jordy têm um ar de novidade sempre que se joga pela primeira vez. São jogos que fogem de resoluções óbvias e parecem sempre estar alinhados com o período de seus lançamentos, algo que, por mais que pareça simples, não é tão simples assim.
É claro que todos esses argumentos e toda essa falação não tem valor prático nenhum. Não sou eu quem decide os finalistas do Spiel des Jahres. De qualquer forma, eu posso fazer meus palpites livremente e são esses os que eu escolhi. Caberiam mais alguns game designers que vêm se destacando e eu já deixo aqui os meus parabéns para todos eles. Que o Brasil continue fazendo muitos jogos e muitos jogos de qualidade.
Esses nomes comentados ao longo do post são de donos de excelentes jogos e já com fama no Brasil e até msm fora. Torço bastante para um brasileiro concorrer a prêmios fora tb, principalmente o da Alemanha.
Em tempo: volta Prosa ou Live da Madruga. Sdds da dupla Renatchos e Paulo.