Episódio 1: Everdell por Imperial Settlers
Nas páginas de discussão do último artigo, “Jaiminho Conta Tudo!” prometi fazer uma série de artigos sobre jogos de boa qualidade que podem ser encontrados a um custo mais acessível do que os atuais lançamentos.
Em princípio, eu tinha pensado em procurar jogos dentro de um determinado limite de preço. Cheguei a escrever um texto completo para o Imperial Settlers (que está sendo reciclado aqui), apresentei para os meus revisores, e recebi duas críticas válidas:
- O limite superior que você colocou não é o de um jogo barato;
- Se a ideia é apresentar o jogo para quem não conhece, você deveria compará-lo com outros jogos;
Com base nisso, cheguei na ideia de comparar um lançamento caro com um jogo de catálogo que esteja meio esquecido, mas que dê uma experiência de jogo PARECIDA com a do jogo novo. Uma espécie de programa da Bela Gil no contexto dos Board Games!
Seguem aqui alguns importantes disclaimers:
- Não estou fazendo uma comparação direta entre os jogos, necessariamente tentando dizer que A é melhor que B ou vice-versa. Estou apenas dizendo que eles possuem características em comum e que o jogo de catálogo pode ser uma opção para quem não tem acesso ao lançamento.
- Eu não estou fazendo um libelo contra os lançamentos! É apenas uma espécie de “quem não tem cão, caça com gato”. Se você pode e quer ter o jogo novo, seja feliz!
De maneira geral, eu vou falar muito brevemente do jogo recente e darei mais detalhes do jogo de catálogo. O jogo recente está aqui mais para dar um parâmetro do que eu vejo de semelhança ou diferença no jogo analisado. Espero com isso ajudar não só aqueles que procuram uma opção mais barata, como também aqueles que pretendem comprar o lançamento caso conheçam o jogo de catálogo.
Neste artigo de estréia eu resolvi comparar o Everdell, recente lançamento da Galápagos, com o Imperial Settlers, jogo do Ignacy Trzewiczek, lançado em 2014 e que veio para o Brasil pela Funbox (hoje Grok Games) em 2016.
Ambos são jogos baseados em cartas que misturam o conceito de engine building com gestão de recursos. Ambos são “raposas em peles de cordeiro”, jogos sofisticados que se escondem sob uma aparência fofinha, quase casual e ambos serviram de base para toda uma família de produtos que não para de crescer.
Um exercício de eficiência na floresta
Everdell talvez seja o jogo que melhor exemplifica várias tendências modernas: possui uma apresentação impecável, componentes super bacanas, possui uma aparência fofinha e mistura uma alocação de trabalhadores bem apertada com um card game de formação de tableau individual, trazendo diversas possibilidades de interação direta e indireta.
Você basicamente está montando uma vila animal na floresta, trazendo para a sua clareira os habitantes e as construções que eles habitam ao longo das 4 estações de um ano.
No início do jogo parece que não dá pra fazer nada, pois você só possui dois trabalhadores e parece ser impossível conseguir tudo o que se precisa, porém as cartas possuem diversas formas de sinergia entre si e quando você vê, falta espaço para colocar todas as cartas que você gostaria de colocar (o jogo permite que você tenha até 15 cartas no seu tabuleiro).
Everdell fez tanto sucesso que em pouco tempo já recebeu pelo menos 4 expansões, lançadas lá fora em 2 projetos de Kickstarter. Aqui no Brasil, a Galápagos só lançou o jogo base, mas promete trazer tudo. Seu preço sugerido para o varejo é de R$449,00.
Eu acho que Everdell vale o que cobra, mas com certeza 450 reais não é algo que possa ser gasto levianamente. Então, para aqueles que não podem ou não querem gastar toda essa grana, existe uma opção boa no mercado, o Imperial Settlers, do qual falaremos agora.
Família pródiga
Ignacy Trzewiczek é um designer polonês que vem publicando jogos desde 2009. Sua criação mais famosa é o Robinson Crusoe, um jogo cooperativo muito conhecido por sua adequação temática e pela notória dificuldade de seus cenários.
Embora não tenha o mesmo prestígio de Robinson Crusoe, Imperial Settlers é com certeza o produto mais prolífico do autor. Sendo ele mesmo uma reimplementação de um jogo anterior (51st State), possui mais de 20 expansões além de dois spin offs (um roll & write e um jogo totalmente novo baseado nas mesmas ideias: Empires of the North).
No caso dos dois jogos, tamanha quantidade de produtos é um indicativo claro de sucesso. Imperial Settlers está na 226a posição do BGG, o que não é nada mal enquanto Everdell se encontra na 28a posição.
Se ter acesso a expansão é algo muito importante para você, talvez Imperial Settlers não faça a sua cabeça. O jogo base saiu aqui numa versão bem bacana da Funbox, mas as suas vendas não suportaram o lançamento de expansões por aqui. Com o lançamento do Empires of the North lá fora (que é um novo jogo base com as mesmas ideias) é difícil imaginar que a Grok Games traga algum material extra.
Parecem bonequinhos, mas o jogo é sério
Uma das principais semelhanças entre os dois jogos é o fato de que ambos usam uma aparência casual para esconder jogos sofisticados.
Senão vejamos, o jogo se chama “Colonizadores do Império” e em sua capa vemos um risonho e gordo fazendeiro, indo ao trabalho acompanhado pelo seu cãozinho, tendo ao fundo um pacato vilarejo. Todas as cartas e personagens remetem a um mundo cor de rosa, algo meio infantil ou casual, como se fosse um jogo de fazendinha no celular.
Só que as aparências enganam. Imperial Settlers é um engine building baseado em cartas, com facções assimétricas, alta interação e cartas multiuso, onde você precisa combinar o uso do seu próprio com o draft de cartas comuns que são compradas no início de cada rodada.
Uma carta várias possibilidades
Apesar de possuir muitos componentes, Imperial Settlers é basicamente um card game. O tabuleiro dos jogadores resume-se a um retângulo estreito para separar as cartas de facção das cartas genéricas e organizar a colocação das mesmas e existe um tabuleiro de pontuação.
Os componentes são na sua maioria de madeira, à exceção do ouro e das espadas.
O coração do jogo está em suas cartas. Cada facção possui um baralho próprio de 30 cartas e ainda existe um baralho de cartas comuns.
As cartas são divididas em 3 categorias: produção, habilidades e ações. As primeiras lhe dão produtos quando jogadas e ao início de cada rodada, as habilidades representam benefícios permanentes e as de ação oferecem a possibilidade de ações extras ao jogador, permitindo estratégias bem diferentes.
Todas as cartas normais podem ser destruídas em troca de recursos e as cartas de facção podem ser usadas para a criação de acordos comerciais (que funcionam como uma produção no início de cada rodada).
Assim como em Everdell, entender o poder das cartas e suas sinergias, é onde reside o desafio e graça de Imperial Settlers. A grande diferença, pelo menos em termos de jogo base, é que nesse jogo existe uma assimetria de facções, coisa que não ocorre em Everdell.
Resumo do Jogo
O jogo possui 5 rodadas. Cada jogador começa com 4 cartas, duas da sua facção e duas comuns.
A cada rodada cada jogador recebe uma nova carta de facção (exceto na primeira) e participa de um draft para a compra de duas cartas comuns, onde são realizadas duas rodadas com N+1 cartas (onde N é o número de jogadores) sendo apresentadas, na primeira o fluxo segue a ordem natural do turno e na segunda a ordem se inverte.
Feito isso, é realizada a produção de cada facção. O tabuleiro dos jogadores informa a produção mínima, que é acrescida das cartas de produção e dos acordos comerciais.
Os recursos são: madeira, pedra, alimento, ouro, espada, escudo (um apenas) e trabalhadores. Todos os recursos devem ser utilizados naquela rodada, à exceção de um tipo específico, que muda para cada facção (espadas para os romanos, trabalhadores para os bárbaros, ouro para os egípcios e alimento para os japoneses).
Madeira e pedra são tipicamente para construções. Romanos e Egípcios tendem a produzir e utilizar mais pedras enquanto Bárbaros e Japoneses precisam mais de madeira. Alimentos servem para fazer acordos comerciais, Trabalhadores para realizar ações e para serem trocados (2 por 1) por outros recursos, inclusive cartas. Espadas servem tanto para descartar cartas próprias em troca de recursos como também para atacar construções dos adversários (o que custará duas espadas) e os escudos servem para proteger uma construção específica (o custo para atacá-la passa a ser 3 espadas).
Quando uma construção sua é atacada ela é “destruída”, quem a destruiu ganha o prêmio dito na carta, mas o jogador ainda fica com os seus escombros, que são uma madeira e o direito de usar aquele espaço para construir uma nova carta de facção. As cartas da facção, em sua maioria, pedem que o jogador se desfaça de uma construção comum e os escombros de uma construção destruída servem para isso.
A cada turno o jogador pode utilizar uma carta da mão, ou realizar uma ação em uma carta existente, atacar uma carta adversária, trocar trabalhadores por recursos ou passar. Quando um jogador passa, ele não pode mais ser atacado pelos adversários. Quando todos passam, a rodada se encerra, os jogadores retiram recursos não utilizados, o token de primeiro jogador é passado em diante e a nova rodada se inicia.
Características das Facções
O jogo base vem com 4 facções: Romanos, Bárbaros, Egípcios e Japoneses. Eu não joguei o suficiente para detalhar as estratégias de cada facção, mas segue um breve resumo do que eu consegui pegar:
1 – Romanos: é a facção mais direta do jogo. Ela ganha pontos basicamente erigindo suas cartas de facção, pois muitas cartas do seu baralho dão bônus de pontos pela quantidade de construções do mesmo tipo (representado pela cor na parte inferior esquerda da carta). O recurso que ele pode armazenar são as espadas, o que permite atacar os adversários em busca das recompensas de suas construções sem ter que gastar cartas. Todas as construções romanas precisam de fundações pré-existentes, o que torna seu trabalho um pouco mais difícil. Você precisará de muitas cartas comuns para poder usá-las como base para suas construções principais.
2 – Bárbaros: são os bullies do jogo. Tem uma imensa facilidade de conseguir se reproduzir, gerando hordas de trabalhadores. Sua principal maneira de fazer pontos é usando suas construções de ação para transformar trabalhadores e recursos em pontos ou para produzir espadas e atacar os adversários. Possui várias cartas de construção barata, mas não tem muita facilidade em conseguir pedra e ouro.
3 – Egípcios: sendo acumuladores de ouro, suas cartas se baseiam muito na conversão deste recurso em pontos de vitória. Os Egípcios possuem uma construção muito forte, que permite “tomar o controle” de até 4 construções de adversários.
4 – Japoneses: sendo a única facção que precisa se preocupar em proteger suas construções de facção com o uso de “samurais” (trabalhadores alocados permanentemente a essa tarefa), os japoneses podem usar sua facilidade em obter comida para fazer vários acordos no início do jogo e assim não se exporem tanto a ataques. A construção que permite pontuar pelos samurais é muito boa.
Modos Solo e Campanha
O jogo vem ainda com uma regra de jogo solo, que consegue emular bem a mecânica original, com a ajuda de um BOT muito simples, que interfere com o jogo apenas no início e no fim de cada rodada.
O jogador simplesmente joga seus turnos enquanto puder, com apenas algumas interações com o Bot:
- No draft, são abertas 4 cartas, o jogador escolhe uma para si, sorteia uma para o Bot e escolhe uma nova para si, deixando a que resta para o Bot. As cartas do BOT ficam abertas durante aquela rodada, podendo ser atacadas pelo jogador. Ao fim da rodada, porém, elas se tornam protegidas, não podendo ser mais atacadas.
- O jogo solo possui um baralho específico para o BOT. Ao fim de cada rodada duas cartas serão abertas, uma de cada vez, representando recursos que o bot está querendo obter. Se o recurso da carta que foi aberta formar par com uma das cartas abertas anteriormente (nesta e nas rodadas anteriores) e este par combinar com o prêmio de uma das construções do jogador, essa carta é destruída e passa para a pilha de construção do BOT.
Ao final das 5 rodadas a condição de vitória é ter mais construções do que o BOT (que conta todas as construções que você não destruiu), o que é relativamente fácil. Além disso, existe uma tabela de pontuação para classificar sua performance. Eu ainda não consegui passar dos 70 pontos no jogo solo, o que ainda me deixa no nível de “Castelão”, faltando conquistar os níveis de “Rei” (70 ou mais pontos) e “Imperador” (80 ou mais pontos).
Além disso, ainda há um modo campanha, que altera o jogo solo de modo que ele possa ser jogado numa sequência de partidas. Ainda não testei esse módulo, mas suas regras estão no final do texto.
Everdell também possui um modo solo, que eu não joguei, mas sei que é bastante elogiado.
Observações Finais
Imperial Settlers não é um jogo perfeito. Seu principal problema é o downtime em partidas com 4 pessoas, principalmente se alguma delas tiver tendência a AP.
Sendo um design mais moderno, Everdell evita isso. O fato de que as cartas ficam abertas numa oferta constante permite um planejamento a médio prazo e simultâneo, porém é preciso levar em conta que a competição pelas cartas é mais intensa e as decisões de prioridade podem levar ao mesmo tipo de problema com jogadores extremamente competitivos.
Porém, principalmente para quem joga solo, o fato de poder jogar com as diferentes facções e experimentar novas estratégias é um elemento que falta ao jogo base de Everdell (talvez alguma de suas expansões traga isso, eu realmente não lembro).
Uma das coisas mais engraçadas que vi nos fóruns de discussão do Imperial Settlers são os comentários abalizados dos especialistas, que do alto de 2 ou 3 partidas jogadas, afirmavam que, por exemplo, os Romanos são uma facção muito roubada. Aí você ia para o tópico seguinte e lia a mesma coisa, só que falando dos Japoneses… e por aí vai…
Everdell é com certeza um jogo melhor, mas Imperial Settlers pode ser encontrado por um preço bem menor. No momento que escrevo tem uma cópia usada com sleeves sendo vendida a R$193,00 na Ludopedia, enquanto um Everdell em condições similares está sendo vendido por R$320,00. Cópias lacradas estão saindo a 320 e 430 reais, respectivamente.
Imperial Settlers talvez não seja o hype do momento, não tem aquela árvore bonita para enfeitar sua mesa, mas é um jogo que pode muito bem saciar sua sede por engine builders sem queimar tanto as suas reservas.
Referências
1 – Imperial Settlers, Rulebook: https://boardgamegeek.com/filepage/106026/rulebook
2 – Regras do Modo Campanha: https://portalgames.pl/files/rules/is_campaign_eng.pdf
3 – Dicas de Estratégia: https://boardgamegeek.com/thread/1229784/empire-building-101-newintermediate-players-guide
Eduardo Vieira é analista de sistemas, e participa do Hobby desde 2018, mas vem tentando descontar o tempo perdido! É casado, mora no Rio de Janeiro e vive reclamando que não tem parceiros para jogar tudo que compra!
O problema, no momento, é que os dois jogos novos estão com preços similares. talvez uns 30 reais de diferença. A vantagem do Everdell é que possui expansões confirmadas, porém eu não acho que seja imprescindível. Particularmente, curto mais o Imperial Settlers, principalmente em 2 pessoas.
Preços mudam a todo momento. No lançamento a diferença era significativa.
Isso traz uma lição: esperar um pouco pra passar o hype quase sempre é bom. A menos que acabe!
Estou esperando o Episódio 2! Adorei o 1.
Tem ideia de quando sai?
Eu tenho problema com as continuacoes.
Nesse caso, eu pensei em fazer do new york zoo contra o Indian Summer. Mas não sei se este ultimo está disponivel.