A diversidade do mundo dos jogos de tabuleiro torna as comparações entre jogos tão diferentes em avaliações um tanto quanto subjetivas. Isso não quer dizer que não possamos definir critérios para entender o que nos fazem gostar de determinados jogos em detrimento de outros.
Quando o seu interesse se resume apenas em jogar e se divertir, entender o próprio gosto não é algo muito importante. Mas quando começamos a escrever sobre assunto (como é o meu caso), torna-se vital refletir sobre o que lhe agrada ou não, de forma que você possa transmitir isso de uma maneira mais clara para quem o lê.
Eu já abordei um pouco desse tema de gosto e subjetividade na avaliação dos jogos no meu artigo sobre a vertigem dos rankings. Retomo o assunto aqui de uma forma um pouco diferente: elenquei as 5 principais características de um jogo nota 10.
https://covildosjogos.com.br/2020/12/13/classificando-board-games/
Nesse tipo de artigo é sempre importante fazer um disclaimer: tanto a escolha dos critérios como a sua ordem refletem apenas a minha opinião. Talvez você concorde com alguns deles, talvez não. E não há nada errado nisso.
O objetivo não é escrever uma lista definitiva. Nenhum jogo precisa atender a todos esses critérios para ser um jogo bom, até mesmo excelente. Essa lista reflete apenas as principais coisas que eu espero ver num jogo para lhe dar uma nota 10!
Eu podia organizar esse texto de uma outra forma, mas a ideia de fazer um “top 5” foi para comemorar o fato de que SOMOS UNS DOS CINCO INDICADOS PARA A FASE FINAL DO PRÊMIO LUDOPEDIA – MÍDIA ESCRITA.
Quis desta forma agradecer a todos que nos ajudaram a obter essa indicação logo no nosso primeiro ano de atividade na mídia escrita. E aproveito também para parabenizar os nossos concorrentes: “Board Game São Paulo”, “E aí tem jogo?”, “Luís Perdomo” e “Tábula Quadrada”.
5. Alta qualidade visual e tátil
Jogo de tabuleiro não são meros algoritmos de interação social, são produtos físicos. Vêm numa caixa, ficam na estante, possuem componentes. Um dos principais motivos para se ter um jogo de tabuleiro, sejamos ou não colecionadores, é, literalmente, colocá-lo na mesa. Ver e manusear as peças é um componente indissociável da experiência com jogos de tabuleiro.
Vinícius de Moraes, num passado não muito remoto, disse que “beleza é fundamental”. Eu tenho medo de imaginar o que aconteceria se ele estivesse vivo e dissesse isso hoje, ou se gravasse algo como o Samba da Benção, com aqueles comentários sobre a sua idealização do amor feminino.
É claro que ninguém casa com uma pessoa só pela beleza, mas convenhamos, a aparência física é, normalmente, a primeira informação que você recebe. E, por menos justo que isso possa parecer, tem uma influência na nossa avaliação geral daquela pessoa.
Os jogos sofrem o mesmo tipo de situação. Atire a primeira pedra aquele que nunca comprou um jogo pela caixa. Ou por ter visto um jogo vistoso na mesa vizinha da luderia, cheio de miniaturas, cartas bem desenhadas, meeples de todos os tipos e cores, etc.
Nem a Estrela tem coragem mais de vender o Banco Imobiliário com aquele dinheiro de papel horroroso.
Quando falamos da qualidade material do jogo, não estamos falando apenas da arte, mas da qualidade dos componentes e de sua “ergonomia” (uso essa palavra por falta de outra melhor). Um jogo que é bom manusear, que as cartas tem uma simbologia fácil de entender, que são boas de embaralhar, que não fazem orelhas. Que os tiles são de boa qualidade, têm o peso adequado e não saem voando quando o ventilador passa.
Azul e Splendor teriam o mesmo sucesso sem os seus sensacionais componentes? Eu acho que não.
É claro que isso tem um lado negro. Estamos cheios de “rabo de pavão” por aí. Componentes caros e pesados que não tem nenhuma funcionalidade além de gerar aquela foto maneira para Instagram. O Arco do Triunfo do Paris, o Obelisco do Tekhenu, a árvore do Everdell e, o grande campeão, aquela Palmeira 3D de livro infantil da versão nova do Camel Up. Todos os outros têm a vantagem de serem opcionais, mas esse não. Inútil, atrapalha a visão e ainda corre o risco de ficar todo amassado na caixa.
Pessoalmente, eu valorizo muito jogos bonitos. Se não servir para mais nada, eles atraem a curiosidade dos incautos. E isso nos ajuda a trazer mais gente para o hobby.
4. Elegância na integração entre tema e mecânica
Todo jogo pode ser traduzido para um problema matemático. Se tivermos capacidade de abstração suficiente, podemos abstrair todos os seus elementos de significado e nos prendermos apenas as suas regras e as funções objetivo que modelam sua pontuação.
É assim que os computadores jogam. O app não pensa em diamantes ou camelos quando joga Jaipur. Ele apenas sabe o valor relativo das coisas de acordo com o algoritmo que foi desenhado e escolhe a ação válida que o algoritmo diz ser melhor.
Pois bem, tudo que eu NÃO QUERO de um jogo, é imaginá-lo como o problema de pesquisa operacional que está por trás do design. Se isso acontece, é melhor largar o jogo e abrir o Excel.
Para mim, jogar é um lazer. É a possibilidade de raciocinar sobre um problema na forma do contexto em que ele é apresentado, isso é, o seu tema.
Se o tema não está bem ligado com as mecânicas e o designer acaba precisando colocar regras muito arbitrárias para arrumar o design, o jogo perde valor.
Eu não quero ver as costuras do jogo. Eu quero raciocinar nos termos do tema e não de uma equação matemática.
Como exemplo, cito Lorenzo il Magnifico: se eu quero ter muitas terras, eu preciso ter capacidade de defendê-las. Para isso, eu preciso do poder militar. Então, faz sentido eu buscar prédios e missões que o aumentem, para eu poder comprar mais cartas de terra. Os números necessários (você precisa de poder militar a partir da terceira propriedade, etc.) são apenas a objetivação da coisa. Mas o tema reforça a mecânica.
É claro que isso tem um limite. Em algum momento você vai precisar fazer contas. E todo jogo é uma abstração. Em algum momento as metáforas que permitem a relação entre tema e mecânica se encerram. As suas miniaturas não “atacam” realmente as do adversário, elas apenas são colocadas frente a frente (se bem que nos filmes de Star Wars, essa limitação já foi resolvida).
Enfim, eu prefiro pensar que estou realmente produzindo vinhos quando jogo Viticulture e não apenas mexendo um marcador para o lado. Como nos Backyardigans, quando o mundo real aparece, a brincadeira acaba.
3. Interações não negativas
Em relação às interações entre os jogadores, isso é como um consegue interferir no jogo do outro, existem classicamente dois tipos de jogos:
- Os jogos “multiplayer solitaire”: jogos onde praticamente inexistem relações entre os jogadores, cada um fica muito no seu mundinho, criando seu motor e torcendo para estar melhor que o dos outros. Quando muito, há alguma competição por recursos estratégicos.
- Os jogos de alta interação: normalmente são jogos de controle de área ou combate. Você interage o tempo todo com os adversários, sempre para atrapalhá-los ou destruí-los.
Existem excelentes jogos nesses dois extremos. A maioria dos euros clássicos se encaixa na primeira categoria e a maioria dos card games ou jogos de guerra entram na segunda categoria.
Mas eu prefiro o meio-termo. Eu gosto de jogos onde a interação entre os jogadores pode ser tanto positiva quanto negativa. Onde aquilo que você faz ou deixa de fazer cria novas oportunidades para o adversário. Ou quando você voluntariamente faz algo para ajuda-lo porque isso lhe trará benefícios no futuro.
O melhor exemplo desse tipo de interação para mim é o Brass. Quando você produz algo ou coloca um novo trilho, oportunidades se abrem para o adversário. E com isso ele pode te ajudar também, ou não. Tudo dependerá de como cada um vai ler as oportunidades e avaliar os prós e contras.
É esse tipo de avaliação, que tem que ser feito ali, em tempo real, sem a ajuda de uma planilha eletrônica, é que eu acho fascinante. Um jogo que tem essas situações bem projetadas não terá problemas de rejogabilidade, mesmo que não tenha nenhum tipo de setup aleatório.
Aqui cabe um aparte: um jogo que tem esse tipo de interação torna o downtime menos problemático, porque o jogador tem motivos reais para prestar atenção nas jogadas dos adversários. Ele pode ganhar alguma coisa com o que o outro está fazendo.
Manter todos os jogadores envolvidos em todas as jogadas, fazendo com que eles esqueçam de olhar o celular deveria ser o objetivo de todo designer moderno, na minha opinião.
2. Informação incompleta
Alguns jogos, do qual o melhor exemplo é o Xadrez, apresentam toda informação possível no tabuleiro. Está tudo ali. A única coisa que você não conhece é o pensamento do adversário, o que ele pretende fazer. Você tem que ler isso das suas ações.
Muitos jogos desse tipo são excelentes. E muitos acham que esses são os jogos mais importantes, mais sérios. Na opinião dessas pessoas, a capacidade de planejamento e previsão de cadeias de “causa e consequência” são a habilidade mais importante num jogador.
Eu entendo esse argumento, mas não concordo.
A minha primeira objeção é que jogos de informação completa tendem a ficar muito pensados. O jogador competitivo vai querer analisar todas as possibilidades possíveis e com isso o jogo demora, e demora, e demora…
Na vida real é muito difícil você ter todas as informações. Você tem uma tropa. Ela foi treinada. Você acha que eles estão motivados. Mas você não sabe quantificar exatamente quão bons eles são. E você tem ainda menos informações sobre as forças do inimigos, por mais scouts que você tenha feito.
Eu gosto quando os designers incorporam em seus jogos elementos que produzem aspectos de decisão sob risco ou incerteza. Pode ser na forma de cartas, na forma de dados, ou de um evento que será sorteado num momento crítico. Cito aqui o recente Pan AM, onde você conhece as rotas preferenciais a serem compradas e até quantas rotas ela irá comprar ao fim da rodada, mas não sabe quais. Você precisa especular.
Uma outra coisa importante é que o jogo tenha uma espécie de “fog of war” algo que limita o horizonte de eventos a disposição do jogador, de modo que ele não tenha como planejar o jogo inteiro na primeira rodada. Ou pelo menos não sem especular sobre o que pode ocorrer e correr riscos se comprometendo com coisas que podem não acontecer.
O Azul faz isso muito bem. Por mais que você conte os tiles, você não sabe exatamente como eles vão vir na rodada seguinte. Você conhece as distribuição, mas eles virão na próxima rodada? Virão juntos ou separados? Você não sabe. Qual a solução? Especule. Pense nas probabilidades. Ou arrisque e vá pro tudo ou nada. Isso é um jogo!
1. Decisões Conflitantes
Essa é a característica mais importante, mas talvez seja a menos controversa e a mais fácil de achar..
Em qualquer jogo minimamente razoável, você terá que tomar decisões entre um ganho imediato e algo que vai lhe render mais no futuro. Esse conceito de decisão temporal é presente em praticamente todos os jogos de gestão. Até que momento você deve montar sua estrutura e qual o momento da colheita?
Mas existem outros tipos de decisões conflitantes: nos jogos que propõem interações não negativas, até que ponto eu postergo algo que preciso fazer para ver se alguém abre uma oportunidade para mim?
Outro tipo de decisão é a ordem de prioridade. Eu preciso fazer duas ações preparatórias para poder realizar uma terceira. Ambas podem ser bloqueadas pelos adversários. Qual fazer primeiro? O que os meus adversários estão buscando? O que é mais provável que eles façam? Eu estou na “berlinda” na frente do placar e eles estão me marcando? Ou eu estou relativamente solto?
Meu exemplo para essa característica é o Arboretum, um jogo que já comentamos aqui e que lembra um jogo de cartas clássico, dada a sua elegância e profundidade.
Você quer montar o caminho de árvores, mas você precisa também guardar cartas daquele naipe na mão. Como montar o maior caminho possível sem perder o controle e ainda conseguir controlar as cartas dos caminhos dos adversários, impedindo que eles pontuem? Quem resolver melhor esses conflitos, ganha o jogo!
Esse tipo de conflito interno é que permeia todo o processo de decisão de um jogador e é o tipo de desafio que mais buscamos nos jogos de tabuleiro. Um jogo nota dez trará diversos tipos de conflitos diferentes para serem pesados e analisados pelo jogador e este, de acordo com sua experiência naquele jogo específico terá maior ou menor capacidade de tratar as diversas camadas que se apresentam.
Conclusão
Existem infinitos critérios para se avaliarem jogos de tabuleiro. Nessa seleção escolhi aqueles que normalmente me chamam mais atenção, são as coisas que me fazem querer ter um jogo específico.
Eu não gosto de ter que esmiuçar todas as ações possíveis em um jogo, porque pode haver algo não intuitivo que gere uma imensa vantagem. O tempo que eu vou levar para fazer isso provavelmente vai estragar a minha experiência a dos colegas com quem estou jogando.
Talvez você seja diferente, goste exatamente do que eu acho um saco. A beleza é fundamental, mas está nos olhos de quem vê!
O que você busca num jogo de tabuleiro? Mande sua opinião aqui! Concorde ou discorde, o debate enriquece! Não há certo ou errado, contanto que debatido com educação!
Agradeço a todos que votaram na gente e peço que considerem confirmar seu voto na segunda fase do Prêmio Ludopedia!
https://www.ludopedia.com.br/votacao
Eduardo Vieira é analista de sistemas, e participa do Hobby desde 2018, mas vem tentando descontar o tempo perdido! É casado, mora no Rio de Janeiro e vive reclamando que não tem parceiros para jogar tudo que compra!