
Stone Age é um jogo de alocação de recursos onde os jogadores comandam tribos nômades durante o alvorecer da humanidade, quando estes grupos começam a se organizar em comunidades maiores e começam a deixar o estilo de vida caçador-coletor e se estabelecer as bases da civilização que conhecemos.
É um excelente jogo de entrada, com o uso muito inteligente das mecânicas de alocação de trabalhadores e rolagem de dados. É importante falar disso, porque alguns de nós fogem dessa mecânica como se fosse lepra e tendem a diminuir o valor de jogos que contenham essa característica.
Pessoalmente, eu acho uma bobagem. Saber lidar com a incerteza também é uma habilidade importante em jogos de mesa. Gamão e Poquer vivem disso e de maneira alguma podem ser chamados de “jogos menores”.
No Stone Age, a aparente simplicidade de seu design esconde um modelo econômico muito bem bolado e a forma como o valor das cartas se torna diferente para cada jogador ao longo da partida, o torna interessante tanto para iniciantes como para jogadores experientes.
E a rolagem de dados na verdade pode ser muito bem mitigada pela quantidade de dados que você aplica a uma ação e a existências das ferramentas.
Conheci esse jogo há pouco tempo, já durante a pandemia, jogando no BGA. Achei ele tão bom que comprei-o (ainda não consegui jogar a versão física) e resolvi escrever este artigo, dada a enorme quantidade de literatura que encontrei sobre o jogo (sendo quase nada em português).
Aqui é importante trazer alguns disclaimers:
a) Esse texto não conterá uma explicação das regras. Tomo por princípio que quem está lendo conhece as regras e farei uso contextual das mesmas.
b) Existe muito material sobre a estratégia e as táticas de Stone Age no BGG discutindo as questões aqui colocadas de forma muito mais profunda do que eu o farei. Este texto é uma espécie de “revisão de literatura” sobre o jogo, mas não entrará pesadamente em nenhum dos tópicos. A minha contribuição é sintetizá-las em um único artigo e contribuir com a minha visão. Os links estarão no final do texto.
c) Eu não sou imbatível nem em Stone Age, muito longe disso (e em jogo nenhum, a propósito). Ter entendido as questões do jogo ajuda, mas não torna ninguém craque. Você tem que saber aplicar as ideias na mesa, de acordo com o que os seus colegas estão fazendo também.
Vou separar o texto em três partes: primeiro vamos entender como é projetada a “economia” de Stone Age e sua produção de recursos; em seguida vamos ver como esses recursos se transformam em pontos, seja pelas construções ou cartas de civilização, para finalmente fazer considerações sobre a estratégia geral do jogo e um caso específico que é a famosa “estratégia da fome”.
A Economia de Stone Age e o aumento da produtividade
A noção de valor mais primária que você possui em Stone Age é o “preço” dos recursos, que é dado através do valor dos dados: 2 para comida, 3 para madeira, 4 para tijolo, 5 para pedra e 6 para ouro. Esses valores são fixos durante todo o jogo e constituem a base para avaliar todo o resto.
Sendo um jogo de alocação de trabalhadores e levando em consideração que nas ações de produção cada trabalhador equivale a rolagem de um dado, então o valor esperado da ação é 3,5 (acreditem, não vou demonstrar).
O próximo ponto a avaliar são as ações de melhoria, aquelas três ações oferecidas no meio da aldeia: a) aumentar a agricultura, b) aprimorar as ferramentas e c) a reprodução (na infame “cabaninha do amor”, onde entram dois meeples e saem 3).
A questão é, qual delas é mais valiosa no início do jogo, quando ainda não temos cartas de civilização multiplicando seus valores?

Estudos foram feitos e é demonstrado que, no início do jogo, as ações mais eficientes são, pela ordem, aumentar o nível de agricultura, melhorar as ferramentas e, por fim, aumentar a população. O gráfico acima mostra qual o valor de cada um desses elementos de acordo com a quantidade de rodadas que faltam para o fim do jogo.
A Agricultura lhe dá, pelo custo de oportunidade de um trabalhador, o equivalente a dois pontos por rodada até o fim do jogo, desde a rodada atual. É um trabalhador a menos para alimentar, que fica livre para fazer outras coisas. Não é a toa que a agricultura foi a principal invenção da humanidade.
Eu não vou explicar a matemática aqui em detalhes, mas as ferramentas são normalmente sub-avaliadas pelos jogadores menos experientes e merecem análise mais profunda.
Quando se rolam os dados, os valores serão divididos pelo “preço” do recurso a ser obtido arredondando-se para baixo, o que leva a uma perda de pontos nas rolagens. No caso da comida, que é o mais simples, 50% das vezes (aquelas em que você tirar um valor ímpar) você perderá um ponto. Isso piora para os demais recursos, que possuem mais chance de dar resto na divisão.
Pois bem, aqui entram as ferramentas. Cada ferramenta diminui a chance de você perder pontos numa rolagem. As contas variam, mas aqui vamos acreditar que cada ferramenta vale o equivalente a 1,5 ponto de dado.
Nesse ponto vou dar uma consideração tática importante: se você não tem ferramentas, você estará melhor concentrando muitos trabalhadores numa única ação. Porém, se você tiver ferramentas suficientes, você poderá alocar seus recursos de forma mais eficiente com menos trabalhadores em cada local.
Um outro detalhe importante é que, a menos que você esteja muito preocupado com um recurso específico, você deve executar as ações de coleta começando do recurso mais caro. Isso ajuda a aproveitar melhor o poder das ferramentas.
No final do artigo colocamos uma tabela com as probabilidades de se conseguir um recurso específico com determinado número de dados. Você não precisa decorar a tabela, mas é bom estudá-la e ter uma boa noção das probabilidades envolvidas.
Vamos falar da reprodução: é claro que aumentar a população é ótimo, mas é um investimento que demora a se pagar, pois você usa dois trabalhadores e alimenta 3 para ter um novo “cidadão economicamente ativo” a partir da próxima rodada. A matemática mostra que, tudo o mais constante, a reprodução se paga em seis rodadas. É o dobro do tempo das outras duas ações.
Mas isso não quer dizer que você não deva fazê-la, pois é difícil jogar com apenas os 5 trabalhadores iniciais. Ter 7 ou 8 trabalhadores até a metade do jogo facilita demais o jogo.
Como investir sua produção: Cartas ou Cabanas?
Tendo discutido as questões de produzir recursos, resta analisar como gastá-los. O jogo oferece três formas de gastar os seus recursos: a) alimentando os trabalhadores, b) construindo cabanas e c) comprando cartas de civilização.
A alimentação é meio óbvia, você precisa de alimentos para pagar a diferença entre o tamanho da população e o nível de agricultura. Eventualmente você pode pagar isso com recursos, mas com a perda do seu valor adicional. É comum e às vezes até interessante pagar a alimentação com madeira pois, como vimos, é mais eficiente concentrar os trabalhadores em uma única ação do que dividi-los. Não pagar a alimentação de qualquer trabalhador significa uma multa de 10 pontos ao final do jogo.
As cabanas são também fáceis de analisar. Elas valem o valor dos recursos que você utiliza para construí-las, mas você paga os custo de oportunidade do trabalhador construtor. A não ser que você esteja com multiplicadores pelo número de cabanas, é melhor produzir as cabanas mais caras, pois você otimiza assim as ações. As melhores são aquelas onde você pode colocar até 7 recursos a sua escolha.
Por fim, as cartas!
(Atenção Sacerdotes do Culto Europeu de jogos determinísticos, aprendam com o titio aqui: se vocês querem reclamar de acaso em Stone Age, esqueçam os dados e concentrem seu ódio na ordem em que as cartas de civilização surgem. Isso é decisivo e não há forma de mitigação.)
As cartas aparecem em quatro slots que determinam seu preço (de 1 a 4 recursos não especificados, mas normalmente você vai querer pagá-las com madeira). Para comprá-las, você precisa alocar um trabalhador a carta desejada.
Todas dão um benefício imediato (comida, recursos, outra carta) e algumas aumentam sua pontuação no fim do jogo. Pode ser um símbolo de cultura (cada conjunto de símbolos diferentes vale seu valor ao quadrado) ou um multiplicador de algum dos seus fatores de produção (agricultura, população, ferramenta).
Não vou entrar nos detalhes das cartas aqui. Nas referências uma excelente análise de todas as cartas baseadas nos conceitos aqui apresentados. Recomendo muito a sua leitura.
O conselho mais genérico que posso dar é que, é muito importante manter alguma madeira estocada no meio-jogo, de modo que você possa comprar cartas de valor 3 ou 4 sem ter que comprometer toda sua rodada por isso.
Outra pergunta típica que se faz é, se é melhor construir ou comprar cartas.
A resposta é que, durante quase todo o jogo, comprar cartas é melhor. Isso muda quando sabemos que faltam poucas rodadas para o final ou quando possuímos os recursos mais caros e podemos ir nas construções sem perder outras oportunidades.
Um rápido comentário sobre o “set collection”: para te dar uma pontuação relevante, você precisará ter pelo menos 5 símbolos diferentes. Só invista nisso se você tiver chance de pegar uma ou duas cartas dessa no início do jogo de forma barata.
“Estratégia, do grego, Strategía…”
Stone Age é um jogo bem balanceado. Não existe uma estratégia dominante, um caminho que, se seguido, garanta a vitória. Em compensação determinados caminhos, se deixados livres para um único jogador, podem se tornar extremamente poderosos.
No início do jogo, o melhor approach é tentar se manter flexível nas primeiras rodadas e aproveitar oportunidades de melhoria ou comprar cartas com multiplicadores altos (2x, 3x), pois isso é o que vai definir o seu foco.
Preste atenção no que os adversários estão buscando, para evitar que peguem cartas que combinem com seus pontos fortes. É difícil fazer isso e ainda resolver os seus problemas, por isso que é importante não se apegar demais a nenhuma estratégia no início do jogo. Evita que você fique muito marcado desde o início.
Pessoalmente, eu gosto de priorizar a agricultura e as ferramentas. Assim, não preciso aumentar tanto minha população. Já ganhei partidas jogando com 5 bonecos mais da metade do jogo. De maneira geral, é importante investir em pelo menos dois dos três aspectos econômicos do jogo.
Dieta forçada
A famigerada “estratégia da fome” é muito comentada por ser aparentemente contra-intuitiva e surpreendentemente eficaz quando não é marcada.
Basicamente o plano é aumentar a população o mais rápido possível, nunca gastando recursos para pegar comida. Isso vai te custar 10 pontos por rodada (assim que acabar o estoque inicial), mas em compensação você estará em condições de pegar mais cartas e construir cabanas mais caras que seus adversários. Se essa estratégia for reforçada com uma boa quantidade de ferramentas, ela se torna muito poderosa.
Quando tentar a estratégia da fome? Se te deixarem a “cabana do amor” livre duas ou mais vezes no início do jogo, por exemplo. E se você estiver num jogo de 3 ou 4 jogadores (em dois jogadores o adversário facilmente bloqueia pelo menos uma das pilhas de cabana por rodada, tornando difícil recuperar os pontos).
E o que fazer se você vê o adversário partir para essa estratégia? Apresse o final do jogo, construindo cabanas o mais rápido possível, de preferência sempre da menor pilha. Bloqueie as cabanas mais valiosas. E pegue as cartas que multiplicam o valor da população. Lembre-se que a reprodução depende de tempo para se pagar!
Se você está à esquerda do jogador que tenta essa estratégia, aproveite-se do fato que inúmeros níveis de agricultura sobrarão para ti. Aproveite para fazer um jogo mais construtivo e tente empurrar para os seus adversários a tarefa de marcar o oponente. Provavelmente você rapidamente se tornará auto-suficiente em comida rapidamente e, com 7 ou 8 trabalhadores poderá ser quase tão eficiente, ao mesmo tempo em que não perde 10 pontos por rodada.
No fundo, a estratégia da fome é um caso especial da estratégia básica do jogo: monte uma estrutura, adquira uma ou duas “vantagens competitivas” e as reforce tanto quanto puder com as cartas de civilização.
Conclusões
Stone Age é um jogo mais tático do que estratégico. Para jogadores experientes, o plano de jogo será mais dependente das cartas e cabanas que saírem nas primeiras rodadas e também da interação com os adversários, do que de ideias pré-concebidas antes da partida. As informações oferecidas pelo tabuleiro na primeira rodada não são suficientes para a montagem de um planejamento completo.
O vencedor da partida será o jogador que conseguir montar um plano durante as primeiras rodadas e executá-lo ao longo do jogo.
É um excelente jogo de entrada, pois suas regras são intuitivas e podem ser explicadas em poucos minutos. Dificilmente ele ganhará, mas ele terá conseguido realizar razoavelmente o que pensou e isso será o suficiente para que queira jogar de novo.
E para os jogadores experientes, o jogo é uma delícia. As partidas são disputadas, a AP é pequena e a partida transcorre em torno de uma hora e o resultado é normalmente apertado.
E quem perde, sempre bota a culpa nos dados. Sim, a gente sabe que é mentira mas, como diz o nosso amigo (e padrinho) Leandro Zombie, “a culpa é minha e eu boto ela no que eu quiser”!
Referências
Existe uma quantidade gigantesca de material sobre Stone Age na internet, o que, pelo menos na minha opinião atesta a qualidade do jogo. O que se segue é uma pequena amostra do que existe no BGG e que serviu de base para justificar as ideias que apresentei aqui. Agradeço a todos que escreveram esses artigos. Se entendi ou traduzi algo errado, a culpa é toda minha.
Além dos posts referenciados, recomendo a leitura dos comentários, pois muitos tem vários insights e correções interessantes.
Board Game Geek – “Probability of getting at least X if you throw N dice” by joaoluizc – https://boardgamegeek.com/filepage/91048/probability-getting-least-x-if-you-throw-n-dice
Board Game Geek – “Stone Age Economic 101 – turning pips into resources” by Jason Cawley – https://boardgamegeek.com/thread/814188/stone-age-economic-101-turning-pips-resources
Board Game Geek – “Stone Age Economic 102 – the village, income and Wealth” by Jason Cawley – https://boardgamegeek.com/thread/814201/stone-age-economics-102-village-income-and-wealth
Board Game Geek – “Stone Age Economic 103 – turning resources into victory points” by Jason Cawley – https://boardgamegeek.com/thread/814234/stone-age-economics-103-turning-resources-victory
Board Game Geek – “Valuing all 36 Cards” by Roman Farraday – https://boardgamegeek.com/thread/702077/valuing-all-36-cards
Board Game Geek – “Caveman tactics ~200 plays later” by Christopher Rao – https://boardgamegeek.com/thread/322675/caveman-tactics-200-plays-later
Ludopedia – “Estratégias vencedoras para Stone Age” https://www.ludopedia.com.br/topico/29690/estrategias-vencedoras-para-stone-age?id_topico=29690

Eduardo Vieira é analista de sistemas, e participa do Hobby desde 2018, mas vem tentando descontar o tempo perdido! É casado, mora no Rio de Janeiro e vive reclamando que não tem parceiros para jogar tudo que compra!
Eduardo, muito legal, curti muito o artigo e todos os pontos abordados. Um amigo me apresentou o Stone Age há poucos meses e demorou pra eu conseguir colocar ele na mesa aqui em casa, pois toda vez que começava a explicar as regras o pessoal queria ir logo pro Quartz e Azul (muito bons) que já eram de domínio deles.
Hoje, após alguns finais de semana jogando, ele vê mesa toda semana, a esposa viciou, e os primos também :). Recomendo fortemente pra quem quer dar um passo adicional nos BGs.
(ahh e as regras não são complicadas ou demoradas, só a explicação que não era muito boa e nem realizada em um horário muito bom 🙂 – à noite, após várias partidas com outros jogos).
Oberdan,
Obrigado pelo feedback!
É normal as pessoas procurarem o conforto de algo que já conhecem. Azul é um dos meus favoritos também!
Sds,
Eduardo
Oi Eduardo!
Para um jogador novato no Stone Age como eu, o artigo foi ótimo!
Com certeza vou estudar melhor as estratégias apresentadas e testar nas próximas partidas, vai ser de MUITA ajuda!
Obrigado!
Gabriel,
A ideia era essa mesma, dar ao jogador mais novo uma noção dos princípios do jogo.
Muitas vezes ficamos perdidos quando abordamos um jogo nas primeiras partidas.
Existe pouco material desse tipo em Portugues. Aos poucos pretendo ir contribuindo em melhorar isso.
Sds,
Eduardo
Belo artigo!
Eu não sou exatamente um amante de tema… Mas a estratégia da fome matou esse jogo pra mim! Ela é totalmente anti-temática e que o jogo, pra mim, é quebrado… É um dos poucos jogos que me recuso a jogar, única e exclusivamente por causa da estratégia da fome.