Dado o sucesso do meu artigo sobre os jogos de carta mais populares no Brasil, resolvi continuar escrevendo sobre tema, que na minha opinião recebe muito pouca atenção dos canais de conteúdo sobre jogos.
Hoje vamos falar do Buraco. Talvez ele não seja o jogo mais popular em sua localidade, mas com certeza é o jogo de cartas mais disseminado no Brasil.
Quando falamos de buraco, estamos falando na verdade de inúmeras variações que partem de um conjunto único de regras. E é difícil que as pessoas concordem sobre qual é a regra “correta”. Algumas destas variações ganham nomes diversos, e é difícil saber onde está a fronteira entre meras house rules e jogos que adquiriram identidade própria.
Fiz uma pesquisa na Internet para levantar informações e montei esse pequeno compêndio. Aqui você encontrará não só a descrição das regras, mas também uma análise de suas consequências táticas. Usei muito material descritivo de outras fontes (todas creditadas ao final do artigo), mas a análise tática é de minha autoria.
Origens
Buraco é um jogo descendente do Rummy (que é a base de todos os jogos de montar sequencias e trincas), que foi criado no Uruguai nos anos 40, com o nome de Canastra (“Cesta de Pão” em espanhol, mas provavelmente se referia ao estojo onde se guarda os baralhos). No Brasil ganhou o nome de Buraco ou Biriba.
“Buraco” é uma referência à situação onde um dos jogadores bate a partida o mais rápido possível, tentando pegar o oponente cheio de cartas na mão, de modo a que seu placar seja negativo (isto é, jogando-o “no Buraco”).
As origens do nome “Biriba” são mais complexas de se explicar. Pelo que pude apurar, esse é o nome que o jogo recebeu na Grécia, na verdade com base no nome de um jogo italiano chamado Biribi (jogo esse que nada tem a ver com buraco). “Biriba” tem também o significado de “caipira”. Talvez uma versão mais rústica do jogo tenha recebido esse nome e aos poucos tenha se confundido com o jogo principal.
Segundo a história, os autores costumavam jogar Bridge no Jóquei Clube de Montevideo, lugar onde iam regularmente jogar e botar o papo em dia.
Sendo o Bridge um jogo muito exigente, eles perceberam que queriam algo mais leve, que permitisse que conversassem enquanto jogavam, ao invés de terem que se concentrar totalmente no jogo.
Isto é, o Buraco foi criado para ser um jogo mais social e menos competitivo. Isso fica claro na forma como as variações mais competitivas são as que normalmente criam identidade própria, ganhando outros nomes, enquanto as que o simplificam continuam sendo conhecidas pelo nome Original.
Regras que não costumam mudar:
Para poder ser chamado de Buraco, um jogo de cartas tem que ter essas características SIMULTANEAMENTE:
- Objetivo: fazer mais pontos que os adversários através de sequências de cartas do mesmo naipe ou conjunto de cartas de mesmo valor baixadas na mesa. Conjuntos de 7 ou mais cartas são denominadas “canastras” e recebem bonificação especial de acordo com seu tamanho e pela utilização ou não de curingas.
- Existência do “morto”: o “morto” é uma mão adicional que o jogador pega quando utiliza toda sua mão inicial. Normalmente são separados dois mortos, um para cada jogador (no jogo individual) e um para cada parceria (no jogo de duplas). Um morto não utilizado resulta em multa.
- Batida: o jogo se encerra quando alguém bate (isto é, fica sem cartas na mão), contanto que já tenha pego o “morto” (ou que seu parceiro o tenha feito, no jogo de duplas). A batida costuma dar um prêmio em pontos ao jogador que a executa.
- Ordem de turno: o jogador da vez compra uma carta do monte ou todas as cartas do lixo (cartas de descarte), combina e arria jogos da mão para a mesa ou aumenta jogos pré-existentes e descarta uma carta no lixo.
- A quantidade de cartas inicial de uma mão: 11
- A ordem e o valor das cartas: Do A ao K (com o Ás entrando nas duas pontas). A vale 15, 2 vale 10, 3-7 vale 5, 8-K vale 10, Joker (quando usado) vale 20.
- Jogo mínimo para ser baixado: 3 cartas
- Curingas: as cartas de número “2” e os Jokers podem ser usados para completar jogos em qualquer posição. O “2” do naipe correto em uma sequência deixa de ser entendido como curinga se estiver em sua posição correta (entre o Ás e 3).
Muitos jogos com outros nomes possuem algumas dessas características, mas não todas simultaneamente. Por exemplo, o “mexe-mexe” tem quase todas as mesmas regras, mas os jogos na mesa são compartilhados e o objetivo é simplesmente se livrar das cartas o mais rápido possível.
Principais variações e mudanças de regras:
A melhor organização de variação de regras que encontrei foi no site da MegaJogos, uma desenvolvedora de aplicativos para celulares que oferece nada menos que 7 variações de Jogos de Buraco diferentes.
Segue um quadro com as variações e suas principais diferenças:
A minha ideia é pegar essas variações e discutir suas consequências táticas, principalmente em relação a quanto ela aumenta a intensidade competitiva do jogo:
1 – Jogo individual ou de Duplas: essa é uma mudança crucial. No jogo de duplas, os parceiros trocam informação arriando os seus jogos o mais rápido possível, de modo que o parceiro possa contribuir com suas cartas para o mesmo. Isso por outro lado permite que a dupla adversária segure as cartas estratégicas, tentando evitar a formação de canastras.
A disputa pelo monte é muito importante, porque os jogadores começam a ficar sem opção para descarte.
Já no jogo individual, não há sentido nenhum em mostrar seu jogo, o negócio é arriar o mais tarde possível, de preferência para bater ou então se você percebe que o adversário está na iminência de encerrar o jogo.
Eu tenho a impressão que o jogo individual é mais punitivo que o de duplas. A necessidade de fazer o jogo na mão torna mais comum ir ao negativo, tendo segurado jogos prontos enquanto tenta se montar uma canastra.
2 – Lixo Aberto ou Fechado e “compra justificada”: essa variação de regra que normalmente separa o buraco mais familiar das variações mais competitivas: o tratamento do lixo, ou monte de descarte.
No jogo aberto, o monte de descarte serve como “muleta” para o jogador que está “apertado”, isto é, cheio de cartas que ele não gostaria de descartar (seja porque são potenciais jogos para si mesmo ou cartas que o adversário precisa). Essa pessoa tende a comprar o lixo não porque as cartas lhe interessam, mas porque isso lhe dá cartas seguras para descarte.
Então, uma prática comum no jogo é caçar o lixo de modo a não dar essa chance para o adversário (quando o lixo está com apenas uma carta, o jogador é obrigado a troca-la se comprar dali).
Para evitar isso, criou-se a regra da compra justificada. Você só pode comprar o lixo se usar a carta de cima em algum jogo da mesa ou na montagem de um jogo na mão. Isso facilita um pouco o descarte, porque o jogador tem mais esperança de que a carta jogada fora não sirva de imediato ao adversário e ele a possa recuperar no seu próximo turno. Pode facilitar também a passagem de cartas para o parceiro (se você prestou atenção no que ele comprou antes, pode jogar uma carta que ele tem como usar, mas o adversário não).
A regra da compra justificada poderia ser aplicada no jogo aberto, mas ela normalmente vem junto com a regra do lixo “fechado”, que é as pessoas não poderem bisbilhotar o que tem dentro do lixo.
O lixo fechado é claramente uma regra que aumenta a competitividade do jogo. Você precisa prestar muito mais atenção nos descartes e nas compras dos outros jogadores para jogar bem. Todos os jogos que derivam do Buraco (Canastra Paraguaia, Tranca, por exemplo) usam essa regra.
3 – Trincas e Requisito da Batida: Outro caso de duas regras que normalmente se anulam.
Na versão aberta, mais familiar, as duplas estão tentando fazer canastras, principalmente aquela de 1000 pontos, de Ás a Ás. Trincas tornam isso quase impossível, por isso elas são normalmente proibidas ou relegadas apenas a cartas de ponta (A, K e 3).
As trincas são um recurso defensivo e quem as faz normalmente quer “rushar” o jogo, batendo o mais rápido possível.
Com o tempo se percebeu que o jogo com trincas não combina com o requisito de possuir uma canastra limpa para bater. O jogo onde essas duas regras estão ativas tende a só terminar com a exaustão das cartas e dos mortos não comprados, o que se torna as vezes um suplício sem fim. Por isso é normal que em jogos onde valem trincas o requisito da batida seja uma canastra comum.
4 – Uso do Joker: Curinga demais as vezes atrapalha. As versões mais familiares do jogo retiram o uso do Joker, enquanto as versões mais competitivas clamam por ele. Pessoalmente, gosto de incluí-los no jogo.
5 – Canastras Reais e Sem-Reais: é tão raro fazer que eu nem sei porque se dão ao luxo de discutir isso. Por mim, deveria valer sempre. A possibilidade da Canastra Real traz a quem está ganhando uma importante decisão: bato rápido ou tento uma real? Sem a existência da pontuação extra, essa dúvida não existe. Pessoalmente, eu jogo para bater o mais rápido possível se eu estiver ganhando.
Para dar uma visão geral em termos de do que significam essas variações, montei o gráfico abaixo:
Existem algumas variações de regra que entendo que são apenas simplificações do jogo, ou coisas mudam a contagem de pontos. Cito algumas:
- “Limpar” a canastra após a sétima carta – Normalmente a canastra é definida como limpa ou suja no momento em que se coloca a sétima carta e não no fim do jogo. Esse é motivo pelo qual não se deve fazer jogos usando o 2 junto a cartas maior que o nove.
- Dar pontos por um “corte perfeito” – Se quando se dá as mãos e o morto a pessoa compra o número cartas correto, sem precisar pegar mais ou devolver cartas ao monte, isso vale 100 pontos.
- Vulnerabilidade – É um conceito que vem do Bridge. No buraco, existe para dar uma chance para quem está atrás na contagem se recupere. Funciona assim: quando uma dupla alcança a metade dos pontos da partida, ela fica “vulnerável”. Isso significa que precisa apresentar 75 pontos no primeiro jogo que abaixar. Isso os obriga a jogar uma boa parte do jogo sem comunicação, dando tempo para que a outra dupla desenvolva seu jogo mais livremente.
E ainda existem os jogos que derivaram do Buraco, mas que criaram identidade própria, saindo um pouco daquelas regras básicas que coloquei. Os mais conhecidos são a Tranca, Cacheta, Pif-Paf, Canastra Paraguaia e por aí vai. Num artigo futuro talvez os aborde.
Conselhos táticos gerais
Os conselhos táticos que valem para qualquer partida de buraco são os seguintes:
- Não esconda o jogo do seu parceiro. Pior do que os adversários guardarem uma carta sua é vocês perderem tempo construindo o mesmo jogo.
- Controle as cartas 7 e 8 de todos naipes. É impossível fazer canastra limpa sem elas. A medida que o jogo se desenrole, perceba quais são as outras estratégicas.
- Se você percebe que o seu parceiro vai pegar o morto, não fique batido imediatamente, principalmente se vocês não tem canastra limpa e se os adversários ainda não pegaram o morto. Deixe seu parceiro usar o morto, encher os jogos e veja se pode ajudá-lo.
- Porém, se o adversário já pegou o morto e já tem canastra, a hora é de correr, bata o mais rápido possível.
- Dispute o lixo, principalmente no início do jogo. Obrigue os seus adversários a comprarem do monte.
- Você só descarta a sétima carta de uma canastra do adversário (principalmente se for a primeira) numa situação de desespero total. Desfaça seu jogo, compre o lixo, espere o parceiro pegar o morto, faça um jogo bêbado para encaixa-la, dê seu jeito. Mas não se dá a limpa pro inimigo!
Conclusão
Buraco é um excelente jogo social, pode ser jogado por pessoas de qualquer idade e para o qual é necessário apenas ter dois baralhos tradicionais. É uma excelente forma de passar uma noite com sua esposa e um casal de amigos. E, se eles gostarem de jogar, estarão, quem sabe interessado em conhecer outros jogos… aí talvez você tenha encontrado o pessoal certo para apresentar aquele jogo novo que você comprou!
Referências Bibliográficas
MegaJogos – Conheça todas as variações do jogo Buraco (https://blog.megajogos.com.br/conheca-todas-as-variacoes-do-jogo-buraco/)
Wikipedia – Biriba (https://pt.qwe.wiki/wiki/Biriba)
Wikipedia – Buraco (https://pt.wikipedia.org/wiki/Buraco_(jogo_de_cartas)
Wikipedia – Edificio Jockey Club de Montevideo (https://commons.wikimedia.org/wiki/File:2016_edificio_Jckey_Club_Montevideo.jpg)
Blog Jogos do Rei – História do Buraco: saiba como o jogo chegou no Brasil (https://www.jogosdorei.com.br/blog/historia-do-buraco-saiba-como-o-jogo-chegou-ao-brasil/)
Card Game Rules – Buraco (https://www.pagat.com/rummy/buraco.html)
FAZFACIL – Como jogar Buraco ou Canastra (https://www.fazfacil.com.br/lazer/como-jogar-buraco-ou-canastra/)
Eduardo Vieira é analista de sistemas, e participa do Hobby desde 2018, mas vem tentando descontar o tempo perdido! É casado, mora no Rio de Janeiro e vive reclamando que não tem parceiros para jogar tudo que compra!
Parabéns por mais um texto excelente Eduardo!!
Obrigado Daniel!
Se o jogador pega o morto indireto, mas o jogo acaba por fim das cartas do monte, o morto deve ser descontado ou não?
Cara, se acabam as cartas do monte, que eu saiba, não tem desconto.
Se meu parceiro pegou o morto com batida indireta, eu posso bater sem ele mexer no morto para acabar com o jogo?
Lua,
Pode, mas eu tenho dificuldade em ver porque isso seria uma boa jogada (medo dos adversários baterem primeiro, talvez).
Se ele não chegou a usar o morto você vai perder os 100 pontos de qualquer forma (como se ele não tivesse pego o morto). Lembre que para bater você precisa ter uma canastra.
Sds,
Eduardo